Entrevista com Gabriela Machado sobre Moda e Sustentabilidade

A cultura da sustentabilidade na moda nunca esteve tão em alta e é inegável que a forma de produzir e consumir roupa mudou. Marcas comprometidas com práticas sustentáveis têm ganhado mais visibilidade e caído no gosto dos clientes de consultoria de imagem no Brasil e no mundo. E não é só na moda, mas também em todos os setores, que a sociedade reage diante desse cenário e estar informado sobre isso é um diferencial. Pensando nisso, conversamos com Gabriela Machado, jornalista ambiental e coordenadora de comunicação e conteúdo do Brasil Eco Fashion Week, o maior encontro de moda e sustentabilidade da América Latina, que aconteceu em sua 3ª edição, nos dias 16, 17 e 18 de novembro 2019 em São Paulo. 

01. Você é uma das responsáveis pela realização do Brasil Eco Fashion Week, o qual a última edição aconteceu agora em novembro. Por lá, foi possível conhecer diversas marcas que foram selecionadas em uma curadoria composta por profissionais das áreas de moda e sustentabilidade. Quais os atributos que uma marca deve ter para ser considerada sustentável?

 

Tivemos duas equipes de curadoria responsáveis pela análise das marcas inscritas pelo edital, para integrarem o Mercado Eco e os Desfiles, e elas utilizaram como referência para a sua análise, oito critérios complementares. Três dos critérios abordam diretamente as práticas de sustentabilidade aplicadas na produção, são eles: quais benefícios ambientais, sociais e culturais são contemplados na proposta da marca (ex. redução de impacto no meio ambiente natural pelo quesito x, e/ou impacto sociocultural positivo, pelo quesito y, etc.), se a marca coloca em prática modelos de negócio inovadores, se faz uso de novas tecnologias para a sustentabilidade, se possui certificações de materiais e cadeia produtiva, e se comunica de forma clara e educativa essas características. Os três outros critérios levam em conta o planejamento e a execução de Design da marca (podendo ter enfoque na resolução de problemas, ou foco específico na parte estética), o tempo de mercado da marca e suas metas futuras; e como critério de “desempate”, a variedade no perfil das marcas escolhidas. Uma marca identificada como responsável deve fazer escolhas com o máximo de impacto positivo, do início ao fim de sua cadeia de valor – indo da compra ou reuso de sua matéria-prima, até o planejamento de logística reversa do seu produto para customizá-lo e estender o seu ciclo de vida, ou mesmo destiná-lo para o descarte correto.

 

02. Umas das ideias do evento é promover uma moda mais coerente e responsável. Além de marcas sustentáveis, quais práticas você acredita serem importantes, pensando também em novas formas de consumir, e que já estão presentes nesse cenário?

 

O evento tem uma frente voltada às oficinas práticas, e nessa edição tivemos 14 atividades, com temáticas como tingimento natural, bordado de palavras e elaboração de desodorante natural. Queremos oferecer opções responsáveis de consumo mas também empoderar as pessoas para que elas mesmas possam produzir, experienciando técnicas manuais e repensando as peças que já existem em seus guardas-roupas. Sobre o estímulo aos novos modelos de negócios, tivemos na passarela alguns exemplos de iniciativas inovadoras como a biblioteca de roupas Roupateca e a multimarcas consciente Bemglô, e incluímos em nossa programação de conteúdos temas relativos, como o painel “De consumidores a usuários: uma mudança de mindset”.

 

03. Definitivamente a moda entrou em um momento consciente de seu impacto no meio ambiente e mudanças são mais que urgentes. Como você acha que a consultoria de imagem, que leva moda para seu cliente, pode alertar sobre e ajudar na promoção dessas mudanças?

O trabalho da consultoria de imagem ganhou uma profundidade incrível nos últimos anos. A profissional que antes apenas falava o que você deveria comprar com base em macrotendências, hoje chega a atuar como terapueta de autoestima e indicar como suas peças podem ser transformadas e customizadas. Ao trabalharem esses conceitos de autocuidado e a ‘redescoberta’ do que já temos no armário, as consultoras se tornam grandes aliadas da conscientização sobre os malefícios do consumismo, e o potencial de autenticidade e estilo que todos temos. Quando a necessidade é renovar o guarda-roupas, o trabalho de uma consultoria pode ser muito positivo dias antes do Mercado Eco do evento acontecer, pois a pessoa terá uma ideia mais clara sobre qual peça de produção responsável, será mais útil adquirir.

04. Antigamente, era nítida a comunicação entre as marcas de moda estimulando o consumo desenfreado. Hoje, o discurso mudou significativamente. O que mais não é aceitável em termos de marketing e apelo comercial?

Nosso sistema de compra e venda é predominantemente deshumanizado e isso exauriu não só o planeta, mas também as pessoas. O público mais informado está cansado de ser continuamente estimulado a consumir e isso engloba a forma apelativa de comunicar, a sazonalidade previsível dessas ações – que se intensificam nos feriados e datas como a Black Friday – e a invasão de privacidade pelos anúncios online. Esbarrei hoje com o conceito de “slow marketing”, que sugere algo parecido com o conceito aplicado à moda: que as empresas façam menos anúncios e posts, e se atentem mais à qualidade da mensagem. Junto à ideia de reduzir esse fluxo exagerado de posts tipo “catálogo”, a prática da transparência ao longo do processo produtivo e a ênfase em comunicar essas práticas, pode aumentar muito a credibilidade e o interesse do público a cada aparição da marca. A Vert Shoes, por exemplo, alega nem mesmo ter orçamento de marketing, e confia no “buzz” que seu produto super diferenciado gera. Para iniciativas já envolvidas com as novas formas de produzir, acredito que é essencial evitar generalizações do tipo: “nossos processos são 100% sustentáveis”, pois mostra imprecisão e superficialidade para tratar do assunto.

05. Conta para a gente quais as inovações mais impactantes que você viu na edição de 2019 da BEFW.

As inovações mais impactantes na minha opinião foram o desfile da Roupateca, que apresentou na passarela apenas roupas de segunda mão, pertencentes a um acervo de assinatura, em um momento em que é urgente ressignificarmos as propostas que são desfiladas; as duas atividades (workshop e painel) sobre Biodesign, que debateram sobre as simbioses que já estão acontecendo entre ser humano, natureza e moda; e a mostra de agrofloresta têxtil pela startup Farfarm, que apresentou de que forma plantações inteligentes podem gerar alimentos que também são utilizados como fibras e pigmentos na moda, e ainda regeneram o solo, sem a necessidade de agrotóxicos.

06. Por fim, tudo isso é uma grande rede em busca de uma revolução da forma de pensar e de agir. O que você espera do futuro? O quanto ainda devemos ou iremos avançar?

É realmente uma revolução e nossa relação com as roupas vai continuar se transformando. Para além dos pilares conhecidos da sustentabilidade – social, econômico, ambiental e cultural – que já estão sendo cada vez mais debatidos, temos ainda toda uma dimensão espiritual e energética a ser reconhecida de forma profunda, e isso vai influenciar em nossa escolha de fibras e cores de tecidos, e a função e simbolismo de nossas roupas e acessórios. A tecnologia vai nos auxiliar muito nos avanços com a rastreabilidade e a transparência de dados de cadeia produtiva, e as próximas gerações vão naturalmente cessar o uso de matérias-primas não renováveis, ou atreladas à crueldade, em qualquer nível. O aparelho de celular provavelmente entrará em definitivo para a categoria de acessório, e o clima exigirá mais adaptação, e as roupas e os biocosméticos certamente irão nos ajudar com isso.


Gabriela Machado é jornalista, Coordenadora de Comunicação e conteúdo no evento Brasil Eco Fashion Week e autora no blog Roupartilhei / @roupartilhei. É colaboradora do Instituto Ecotece e especializada em Comunicação e Educação Ambiental pela IUSC-Barcelona e Comunicação e Marketing de Moda, pelo IED-SP.

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