Ouvi um relato de uma colega de profissão, consultora de imagem, que acostumada a trabalhar com mulheres de repente se deparou com o marido da cliente querendo passar pela consultoria também. Instantaneamente ela fechou o processo com ele, pois em sua ideia o trabalho com os homens seria mais fácil, rápido e objetivo, o que a deixou empolgada com a nova experiência de prestar uma consultoria masculina. Na preparação e aplicação do processo ela usou o mesmo método aplicado em suas clientes. Porém, logo nos processos investigativos ela sentiu desconforto com algumas abordagens e nos processos do armário e personal shopping vieram algumas questões importantes e dúvidas do cliente que ela não conseguiu responder e se sentiu confusa. Ela me disse com essas palavras “Gabi parecia o meu primeiro cliente da vida, fiquei insegura, tive muitas dúvidas e eu percebi que subestimei o trabalho com o público masculino, acreditei que seria mais fácil“.
O relato sincero e surpreso dela me fez relembrar alguns momentos da minha jornada profissional no mercado masculino. Durante 8 anos trabalhei como estilista de moda masculina e era exatamente isso que eu ouvia de colegas de profissão:
– Ah, trabalhar com coleções de roupas masculinas é fácil, não tem muito o que fazer, é tudo básico, ou é sem graça…
Eu fui movida por esses desafios e percebi que o vestuário masculino exige muito mais da criatividade do que se imagina, porque a estilista precisa pensar em detalhes que muitas vezes não são tão visíveis quanto uma estampa enorme colorida, botões e correntes douradas, laços e rendas.
Isso não quer dizer que trabalhar com o masculino seja mais ou menos difícil que o feminino, na verdade a palavra certa é que são trabalhos DIFERENTES. São públicos diferentes, com necessidades diferentes e, por isso, a aplicação do trabalho não pode ser a mesma. E mesmo que você trabalhe só com um determinado público, como o masculino, ainda assim o trabalho com cada cliente será DIFERENTE, porque cada pessoa tem suas necessidades e objetivos. Por isso, é preciso que seja sempre personalizado.
Por muito tempo a maioria dos homens se distanciou de tudo relacionado a cuidados pessoais, moda, comportamento como se o interesse por esses temas fossem assuntos exclusivos das mulheres ou que de alguma forma isso fosse afetar sua masculinidade. É um fato curioso, pois se observarmos a história dos séculos passados, tudo começou com as produções mais elaboradas dos próprios homens que usavam adornos, salto alto e até maquiagem em suas produções.
No livro “400 anos de moda masculina” escrito por Lula Rodrigues[1], ele detalha muito bem como tudo começou, conta que o rei Luiz XIV foi quem ditou as regras do bem vestir na época, chamado de Rei Sol e citado por Lula como o “primeiro pavão da história” por suas produções elaboradíssimas.
Tendo em vista todos esses registros sobre a relação dos homens com moda e estilo que parecia tão segura e resolvida, surge a questão:
Por que os homens, afinal, têm receio quando são tratados esses temas?
Foi um questionamento que fiz durante alguns anos e após ligar alguns pontos encontrei uma reposta.
Existiram dois momentos na minha carreira em que eu senti o consumidor homem sendo subestimado pelo seu poder de consumo considerado fraco e tendo suas opções de escolhas limitadas pelo comércio e prestadores de serviços.
Durante o trabalho como estilista ouvia:
– A coleção está linda, mas vamos produzir apenas o mais comercial e básico para garantir venda…
– É a mulher dele que vai comprar e elas vão sempre no básico que não tem erro…
– As cores estão lindas, mas vamos no preto e branco que é mais garantido…
Frases como essas eram comuns. O homem começou a ter um mix cada vez mais enxuto com poucas opções e isso os levou a crer que era como tinha que ser, tornando-se normal. Então, qualquer marca que lançasse algo novo para o masculino, uma peça mais conceito e estilosa era questionável, será que é para homem?
Quando ingressei na consultoria masculina percebi essa seleção também entre os próprios profissionais, como por exemplo:
– Não oferecemos a coloração pessoal para homens porque eles não gostam ou não se interessam.
– Não abordamos aspectos de cuidados com a pele, porque é frescura o homem não quer saber disso…
Ideias e comportamento semelhantes ao que eu presenciei dentro da indústria do vestuário. O profissional limitando o mix de produtos e serviços a serem oferecidos aos homens, no achismo e de forma generalizada,
concluindo que os homens não se interessam por determinados produtos e serviços.
Como citado anteriormente, cada homem é DIFERENTE, alguns sim serão mais clássicos e objetivos, outros homens mais criativos e inovadores, portanto não podemos limitar a escolha do consumidor, é preciso oferecer todas as opções e deixar que eles questionem e façam o filtro daquilo que os interessa.
Dentro da consultoria de imagem nunca achei interessante trabalhar com achismo. Desde o início comecei a fazer meu próprio laboratório, oferecendo todos os serviços e conteúdo para o público masculino e sempre procurei transmitir com muita naturalidade assuntos como cores, estampas, cuidados com a pele, principalmente, numa linguagem que fosse familiar para eles. Percebi ao longo do tempo que isso os deixava mais confortáveis também.
Todo o tipo de assunto que não era habitual no universo masculino e eu julgava importante eles saberem eu trouxe em forma de conteúdo e, para minha surpresa, eles demonstravam muito interesse, escutavam atentos, queriam aplicar às suas realidades, tinham coragem de arriscar mais, ousar nas escolhas de looks e ficavam mais seguros.
Comecei a receber muito feedbacks positivos deles e aquela abordagem tímida que eu tinha deles nos meus primeiros atendimentos começou a ser algo mais fluido. Antes eles só falavam se tinha feito algum procedimento estético por exemplo se eu perguntasse e ainda comentavam: eu fiz porque minha mulher disse para eu fazer, tentando justificar como se não fosse natural homens fazerem procedimentos estéticos. E, após alguns anos, percebo um comportamento mais solto, eles mesmos contam as experiências de cuidados pessoais, dizendo que fizeram ´lipo´ ou ´botox´ e que gostam de comprar roupas.
Percebo que aquele receio e a forma tímida de comentar ter feito algum procedimento não habitual no universo masculino já não é mais um tabu, é clara uma mudança de comportamento.
Acredito que essa mudança de comportamento começou com o crescimento acelerado das barbearias que encorajou muito esse movimento dos homens, pois estimulou os cuidados pessoais masculinos, cuidados com cabelo, barba, sobrancelhas e outros serviços de cuidados estéticos que a própria barbearia estava oferecendo. A indústria de cosméticos também foi crescendo na mesma proporção pela demanda que surgiu, a indústria do vestuário percebeu o movimento do mercado masculino e muitas marcas começaram a trazer um mix maior abrangendo todos os estilos de homem.
Percebi que uma coisa levou a outra e por todos esses motivos o homem “DESPERTOU” para os cuidados da sua imagem, pois ele percebeu o quanto faz sentido para seu desenvolvimento pessoal e autoestima.
O mercado masculino está aberto, os homens estão cada vez mais preparados. Por isso, é preciso cada vez mais otimizar essa comunicação com eles, lembrando que nada que é padronizado vai funcionar.
Como falado anteriormente, a minha grande descoberta e conclusão no trabalho como Consultora de Imagem Masculina foi entender que trabalhar com homens não é fácil, não é básico e não é objetivo, aprendi que eles são detalhistas, querem entender o porquê de tudo, querem estar adequados, querem se sentir seguros de si e estilosos. Quando eles contratam a consultoria é porque estão dispostos a aprender e aplicar tudo que você ensinar, eles são extremamente dedicados e eu nunca fiz um trabalho tão satisfatório e gratificante em minha vida profissional como esse, pois quando eles decidem mudar e melhorar sua imagem colocam em prática tudo o que você orienta de forma clara.
É necessário atender as necessidades de cada cliente ensinando-os o que parece óbvio para nós consultores como se estivesse partindo do zero, pois eles não têm a mesma preparação que nós mulheres já possuímos naturalmente. Não os subestimar foi um dos grandes aprendizados que obtive através de todas as minhas experiências no mercado masculino e que me fez aprender a ouvir suas necessidades ao invés de determinar por minha conta o que devo apresentar-lhes.
A consultoria de imagem nada mais é que uma grande pesquisa de comportamento e personalidade, que nos dá uma base sólida e conhecimento muito verdadeiro do que está acontecendo. O movimento do despertar dos homens para sua imagem é uma realidade e tomou uma proporção maior nesse momento de pandemia. Acredito que o fato de termos ficado reclusos e isolados nos fez olhar mais para dentro e trazer questionamentos, questionamentos esses que levaram ao desejo de mudança. Assim, ao estudarem desenvolvimento pessoal, por exemplo, eles descobriram que a consultoria de imagem é uma chave importante que pode facilitar a mudança de vida, ajudando-os a atingir o sucesso!
[1] 400 ANOS DE MODA MASCULINA. Autor: Lula Rodrigues. Editora: Senac Rio, 2019. Pág. 27
Este artigo foi escrito por Gabriella Geremias (Morro da Fumaça/SC)
Consultora de Imagem Masculina e Mentora do curso para Consultores de Imagem e Estilo Masculino. Graduada em Moda e Estilo e com especializações em Consultoria de Imagem, Coloração Pessoal e Marketing. Atua no mercado masculino há 10 anos trabalhando como Estilista e Consultora de Imagem.
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Respostas de 2
Gabi, seu artigo está ótimo. Retrata perfeitamente as necessidades do homem moderno e a atitude que a profissional deverá ter para atendê-lo. Parabéns!