Muito se fala em autoestima e empoderamento feminino nos mais variados segmentos de mercado. Com o passar dos anos e a necessária desconstrução social, especialmente no papel da mulher, estes são termos cada vez mais lidos e ouvidos em muitos espaços, algo louvável. Mas será que esse empoderamento e essa autoestima se baseia apenas no pensamento de se bastar? E mais: como cultivar esse pensamento?
A resposta está na Saúde Mental. Do ponto de vista neurológico, os seres humanos são 80% visuais, o que significa que, em meio a uma constatação, nosso cérebro processou a veracidade das informações de acordo com o que ele viu. Para citar um prático exemplo: imagine duas pessoas em uma sala. Uma recepciona a outra e, no que a segunda pessoa adentra a sala, aquela que recepciona diz com um ar muito triste e entediado: “olá, estou feliz em lhe ver”. No que você acha que a pessoa recepcionada vai acreditar mais? No que acabou de ouvir ou no que acabou de ver? Sim, ela vai validar o que viu e que, neste caso, é o semblante triste da pessoa que a recepcionou.
Deste modo, pode-se dizer que o emocional e o mental precisam de alinhamento para uma imagem coerente em todos os aspectos da vida, não apenas no social. Quanto melhor um indivíduo se conhecer e souber lidar com suas emoções, mais segurança sentirá consigo e, por consequência, mais segurança transmite através do visual, sem precisar abrir a boca.
E como se chega a este autoconhecimento e esta autoconfiança? Através da regulação emocional. Em um mundo dominado por transtornos mentais como ansiedade e depressão, a regulação emocional até parece uma utopia, mas, ela é completamente possível de ser alcançada, desde que cada pessoa tenha consciência do quanto cuidar da Saúde Mental é tão imprescindível quanto a saúde física, por exemplo. Especialistas da área dizem uma grande verdade a respeito desse hábito que ainda é tão pouco valorizado: a saúde mental e emocional são a base para uma vida equilibrada, assim como acompanhamento nutricional é a base para uma alimentação equilibrada.
É como uma criança se alfabetizando: se no início da infância as crianças pudessem ter o acompanhamento terapêutico para o seu desenvolvimento de bem-estar mental e emocional, muitos transtornos na vida adulta poderiam ser evitados. E falando em infância: o emocional e mental de um ser humano começa a ser lapidado a partir dos 3 anos de idade e esse lapidar acontece com os primeiros contatos de convivência dessa criança, ou seja: pais e tutores.
Imagine agora uma casa onde pais/tutores não cuidam da saúde mental e emocional e cultivam hábitos e pensamentos nocivos para si, que exemplo darão e mais: que base emocional está oferecendo a este ser humano ainda em formação, em uma fase de sua existência onde toda e qualquer informação é absorvida como uma esponja?
Renato Caminha 1, especialista em Terapia de Regulação Infantil – TRI -, fez uma analogia interessante com relação a uma das ferramentas emocionais fundamentais para a sobrevivência humana, a empatia. Ele diz, em uma de suas aulas, durante a definição da atitude empática, o seguinte: “eu jamais vou ser capaz de sentir o que o outro sente, se eu não sentir primeiro em mim”. Segundo Renato, a empatia é o ponto central para a regulação emocional e o desenvolvimento da saúde mental, pois sua prática propicia o aumento da Autoconsciência Emocional.
Ainda dentro deste tema, ele explica que: “as emoções – todas elas – na dose certa são saudáveis. No excesso ou na falta, tornam-se patologias”. Neste sentido, a regulação emocional nada tem a ver com o que normalmente se acredita – o “não sentir emoções negativas” – e, sim, com o saber lidar com todas as emoções, pois como fatores orgânicos, elas vão existir e são saudáveis quando surgem de forma equilibrada. Se uma imagem autoconfiante demanda um emocional equilibrado, é urgente que normalizemos algumas questões cruciais do âmbito mental-emocional.
A primeira delas é que toda emoção é necessária de ser sentida e não pode ser controlada. Exatamente: espanto, raiva, tristeza, alegria, nojo e medo são as Emoções Básicas, assim classificadas por Paul Akerman 2, que em seu estudo designa as chamadas ‘expressões faciais universais’ para cada uma das emoções. Salvas algumas exceções culturais, todo ser humano consegue reconhecer essas emoções no rosto de outro ser humano, sem que este precise dizer uma palavra. Ainda sobre a necessidade de uma emoção ser sentida, dentro da Psicologia há um famoso estudo neurocientífico que diz que o tempo médio de duração de uma emoção é 90 segundos. Por ser considerada um fator orgânico de nosso organismo – assim como a fome e a vontade de ir ao banheiro -, a emoção surge logo após um dado acontecimento que a tenha despertado e, vale dizer, senti-la é obrigatório: não está em nosso controle.
Se sentir as emoções anteriormente mencionadas – assim como suas subjacentes – não está em nosso controle, quer dizer que a humanidade está fadada a agir de forma completamente emocional e irracional, por assim dizer? Não. Quer dizer que, dentro de 90 segundos, será necessário um autodiálogo para entender o que levou esta emoção a surgir e simplesmente aceitá-la. Aceitá-la não é sinônimo de agir de forma passional a ela – por exemplo, agredindo o outro ao sentir raiva. Aceitá-la é entender que esta emoção surgiu, que está fora do seu controle e que, no entanto, sua atitude com relação a esta emoção é possível de ser controlada.
A Dra. Joan Rosenberg 3, em sua palestra em um Ted Talk intitulada Emotional Mastery: The Gifted Wisdom of Unpleasant Feelings nos ensina a quase mágica do respirar durante 90 segundos mediante uma emoção ruim (lê-se por ‘ruim’ emoções como medo, tristeza, raiva ou nojo). Ela conta sobre um momento de sua vida em que passou por uma situação bastante desagradável com colegas em uma viagem de escola e que tudo que fez, ao se deparar com a emoção de tristeza, foi esperar 90 segundos. Muitos ímpetos mal administrados emocionalmente resultam em atitudes das quais as pessoas se arrependem, pois não fazem o que ela aconselha em sua palestra: aguardar 90 segundos. Após o rompante da emoção que dura em média este tempo fica muito mais fácil tomar decisões mais lúcidas, coisa que não se costuma fazer durante o tempo em que a emoção ainda está sendo processada.
Ela usa a metáfora da onda em um comparativo com as emoções: é como se a emoção durasse exatamente o tempo que dura uma onda para “quebrar” no mar: ela surge, ela cresce, ela explode e então ela “morre”. O que leva pessoas a estados patológicos é a extensão excessiva dessa emoção justamente por não saber lidar com ela quando surge – a exemplo temos a tristeza estendida, que se torna depressão. A falta de regulação emocional é exatamente o não saber administrar estas emoções, o que leva às patologias.
Uma vez compreendido o fato de que a emoção é um fator orgânico e a única coisa a ser controlada nesse contexto é a atitude que será tomada diante do surgimento desta emoção, partimos para a segunda questão de entendimento necessário para a regulação emocional e, consequentemente, a imagem alinhada: a empatia. Em primeiro lugar, é importante diferenciar empatia de simpatia – algo comumente confundido: a primeira está relacionada ao se colocar no lugar do outro sem julgamentos e, a outra, está relacionada a uma afinidade imediata por atitudes semelhantes entre dois seres.
Animais também podem sentir empatia em determinado nível (isso pode ser constatado quando um filhote é adotado por uma mãe de outra espécie, por exemplo), o que significa que esta é uma atitude relacionada à sobrevivência. Ou seja: praticar empatia é um exercício do não julgar antes de se imaginar de fato naquela situação e de tentar entender por que aquela pessoa agiu de determinada forma ou acredita em determinadas coisas. Vale ressaltar que, embora exercer a empatia seja bom e necessário, existe um limite que cada ser deve estabelecer ao exercê-la, do contrário esta pessoa pode se tornar emocionalmente vulnerável a abusos – mas este é assunto para outro momento.
Terceira e última questão a ser levantada é o nosso foco de atenção – algo do qual comumente as pessoas se esquecem e é um prato cheio para distúrbios voltados à ansiedade. Com o avanço da tecnologia e aceleração dos processos cognitivos em razão dela, tornou-se normal as pessoas executarem múltiplas tarefas ao mesmo tempo, em um ciclo interminável de ações mal executadas ou pior: nunca terminadas. O resultado disto é uma sensação de incapacidade somada a desatenções e uma angústia, gerada por essa rotina insanamente produtiva (no sentido negativo da palavra). O que fazer para contornar? A resposta parece simples demais para ser verdade: executar uma única tarefa por vez.
Exemplos práticos: faça sua leitura do dia sem olhar o grupo do WhatsApp; pratique exercícios sem discutir assuntos complexos com a amiga; elabore sua tese sem deixar a TV ligada passando notícias. Nosso inconsciente é um oceano imenso, muito sugestivo – e muito maior que nosso consciente -, o que significa que quanto mais alimentamos o foco de modo saudável, sem estímulos externos que não condizem com a ação principal a ser executada, melhor para um subconsciente e um emocional sem ruídos.
Em suma: pequenas atitudes que parecem simples demais para serem lembradas tornam-se a base fundamental para um emocional e um mental regulados e, consequentemente, uma imagem alinhada. Afinal, a forma como se lida consigo é a forma como lidamos com o outro e, consequentemente, o reflexo que se enxerga no espelho – que, uma vez positivo, entrega a tão sonhada autoconfiança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- 1. Renato Caminha, “A Humanização no atendimento – o uso das tecnologias leves em saúde”, Aula 1 do curso de pós-graduação em Saúde Mental e Desenvolvimento Humano pela PUC-PR.
- 2. Paul Akerman, “Emotions Revealed: Recognizing Faces and Feelings to Improve Communication and Emotional Life”, edição revisada, Owl Books, 2003.
- 3. Joan Rosenberg, “Emotional Mastery: The Gifted Wisdom of Unpleasant Feelings”, TEDxSantaBarbara, https://youtu.be/EKy19WzkPxE?si=vvXKgA2-sV0ERYv0 , 2016.
Este artigo foi escrito por Marcéli Paulino
Nascida em Santos e naturalizada em São Paulo, Marcéli atua na área de Moda e Estilo desde 2010, ano em que iniciou seus estudos como jornalista de moda. Em 2012 criou o que hoje é seu blog, Lindizzima, cursou pós graduação em Comunicação em Moda em Londres, na Central Saint Martins em 2015 e, em 2019, começou a se especializar na área de Consultoria de Imagem. Dentre os cursos de sua lista de formações estão: Costura e Modelagem, Coloração Pessoal, Personal Styling, Visagismo e o mais recente: pós graduação em Saúde Mental e Desenvolvimento Humano, que contribui como base fundamental para sua metodologia aplicada e validada em mais de 300 atendimentos, intitulada Assinatura de Estilo [A.D.E.].